O candidato defende que chegou a altura de serem as pessoas a decidir e não os políticos profissionais. Apostar nas acessibilidades, na náutica de recreio e criar uma Universidade do Mar são algumas das propostas para a região, mas a prioridade são os fundos comunitários

POR MÁRIO RUI SOBRAL FOTO ARSÉNIO FRANCO

O Setubalense – Diário da Região, 23-09-2019

É o autor do estudo “NUTS Península de Setúbal – caminho para o desenvolvimento” e encabeça a lista do jovem partido Nós Cidadãos pela região. E isso tem tudo a ver. A luta pelo acesso da Península de Setúbal aos fundos comunitários é o “vector fundamental da candidatura” do partido por Setúbal, garante o candidato, que cita Herbert Spencer, John Fitzgerald Kennedye René Descartes para definir cidadania.

Como define o Nós Cidadãos?

É um partido que tem no seu nome o seu programa. Tudo o que tiver a ver com os direitos dos cidadãos é essa a nossa acção. Na Assembleia da República há diversos interesses representados, desde os animais às plantas, à propriedade, às relações laborais, até grupos da sociedade e mesmo étnicos, mas não há um partido que represente os cidadãos. Tanto mais que a abstenção é crescente. Os cidadãos não se revêem no espectro político em Portugal. Os partidos políticos que ganham as
eleições são, na verdade, os principais perdedores. Hoje em dia quem ganha as eleições é a abstenção.

O que é que este partido pretende oferecer de diferente em relação aos outros?

A acção política do Nós Cidadãos visa promover a consciência de cidadão e da cidadania em cada pessoa, em cada um dos portugueses, para, com o contributo de todos, criarmos uma sociedade mais justa, mais solidária, mais inclusiva, mais responsável, que criminalize e condene a corrupção e que seja ética e digna. A cidadania pode ser vista por três pilares diferentes: primeiro, “a minha liberdade termina quando começa a liberdade do próximo”; segundo, “não perguntes ao Estado o que Estado pode fazer por ti, pergunta a ti mesmo o que podes fazer pelo Estado”; terceiro, “penso, logo existo”.

Nas eleições de 2015 figurou no quarto lugar da lista por Setúbal e agora surge a encabeçar a candidatura do partido por este mesmo círculo eleitoral…

Em 2015, o Nós Cidadãos foi constituído em Julho, as listas foram formadas em Agosto e um mês depois
realizaram-se as eleições. Significa isto que o momento de arranque foi um pouco atabalhoado. Nessa ocasião fui eleito vice-presidente da distrital de Setúbal. Entretanto registaram-se algumas saídas do partido e actualmente sou presidente da distrital. Fui escolhido porque sou autor do estudo “NUTS Península de Setúbal – caminho para o desenvolvimento”.

Defender a alteração da NUTS Península de Setúbal é o principal eixo de actuação do partido no distrito?

É o vector fundamental da candidatura do Nós Cidadãos por Setúbal à Assembleia da República. Até o estudo ser elaborado havia um conhecimento da população em geral de que a situação na Península de Setúbal é difícil, que há falta de emprego, muitas pessoas deslocam-se todos os dias para Lisboa com enormes sacrifícios pessoais… 0 estudo permitiu determinar o PIB per capita da Península de Setúbal. Quando foi iniciado verifiquei que a Península de Setúbal tinha deixado de existir para fins estatísticos, em virtude da lei 75/2013, proposta no tempo do Relvas [Miguel Relvas, antigo ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares] e que veio incluir a NUTS III Península de Setúbal na NUTS III da Área Metropolitana de Lisboa (AML).

Setúbal é a quarta região mais pobre do País integrada numa área rica, de acordo com o estudo. L0g0…

… Não por sermos a quarta região mais pobre do País, mas por termos um PIB per capita médio de 58% da média europeia. Todas as regiões da Europa que têm um PIB per capita inferior a 75% da média europeia são chamadas zonas de convergência, são zonas que podem ser apoiadas com o nível máximo de comparticipação de fundos comunitários. Uma vez autonomizada a Península de Setúbal poderá ser apoiada em fundos comunitários, se passar a ser NUTS II ou a integrar uma NUTS II onde Lisboa não esteja. E cumpre os critérios para isso.

A Península de Setúbal pode ir buscar muitos mais fundos comunitários…

Claro. Neste momento, por cada Quadro Comunitário de Apoio (CQA) que passa a Península de Setúbal perde 2 mil milhões de euros à luz do montante que virá para o período 20-30. No anterior, 20-20, perdeu mais. Repare, a Espanha, apesar do Brexit e da redução do montante dos fundos estruturais, vai receber mais 10 mil milhões de euros, precisamente porque três regiões – Galiza, Castilla-La Mancha e Andaluzia – baixaram o nível de PIB per capita abaixo dos 75%, a seguir à recessão. Agora é necessário destacar a Península de Setúbal enquanto território para fins estatísticos para que seja reconhecida a nossa sub-especificidade.

Pode apontar um ou dois exemplos concretos de como a Península de Setúbal tem saído a perder?

Os projectos da AML, nas mais diversas áreas, e do Algarve nunca ultrapassaram 40% de taxa de comparticipação máxima, quando nos outros locais [essa taxa] pode ir até 66 ou 70%. Há várias empresas que neste momento estão a deslocalizar-se de Setúbal para Grândola, por exemplo.

Essa questão não foi, não é, vista de igual forma pelos deputados eleitos pelo círculo de Setúbal, sobretudo os do PS?

Nos trabalhos que fiz de divulgação do estudo, no âmbito da Plataforma para o Desenvolvimento da Península de Setúbal, contactámos todos os grupos parlamentares, com excepção do PAN. Fomos recebidos pela Comissão 20/30 e ainda contactámos com a Comissão para a Descentralização, liderada por João Cravinho.

Então por que é que acha que ninguém se bateu por isso?

Foi-me dito que o PS nunca vai pôr em causa a AML, nem no próximo QCA nem na próxima legislatura. Porquê? Lisboa precisa do trabalho escravo de 230 mil pessoas que vivem na Península de Setúbal. As pessoas não têm outra alternativa que não seja a de irem trabalhar para Lisboa. A Península de Setúbal apenas garante postos de trabalho a 30% da sua população activa. Estas pessoas suportam, na perda da qualidade de vida, o desenvolvimento ou o “show off” de Lisboa enquanto grande capital. 0 Governo de António Costa falhou redondamente com a Península de Setúbal. Eles precisam de manter a grandiosidade de Lisboa à custa do exército de pessoas que vivem nas periferias da capital, tanto na margem sul [do Tejo] como na margem norte.

Está a dizer que os deputados do PS eleitos pelo distrito não se mexem por uma questão de seguidismo àquela que é a posição do líder do partido?

Sim, em absoluto. Tive a oportunidade de contactar com a distrital do PS, estive no lançamento da campanha de Pedro Marques às europeias, entreguei-lhe o estudo, apresentei perante todos os elementos do PS as conclusões do estudo e o grande benefício que [uma revisão da NUTS] representaria para a Península de Setúbal e para o País. Mas, até à data, zero. Porém, há partidos que estão neste momento a fazer esta defesa. 0 PS está mudo e quedo, não vai sair disto e os seus deputados eleitos pelo distrito não vão defender a Península de Setúbal.

Que outras medidas defende o Nós Cidadãos?

A introdução de uma disciplina de Moral e Educação Cívica no currículo escolar, até ao 12.° ano. 0 que falta a Portugal é a consciência das pessoas fazerem aquilo que é correcto. A educação e sensibilização dos jovens é fundamental. No sector social, cresces, jardins-de-infância, centros de dia, lares, devem ser apoiados pelos ganhos das receitas do jogo. A Santa Casa da Misericórdia concentra os ganhos de todo o País, mas não os reparte por todo o País nem na proporção desses mesmos ganhos nem no contributo que cada distrito fez para a obtenção dessa receita. Por exemplo, se há jogo no distrito de Setúbal, como há, que os ganhos desse mesmo jogo para o distrito de Setúbal sejam aplicados nas instituições que são o apoio social das pessoas.

E propostas para a região, em concreto?

Defendemos a proximidade dos referendos. Penalizar a corrupção e fazer a fiscalização cidadã das actividades governamentais. Em termos regionais, defendemos uma estrutura rodoviária e de comunicações e de rede de transportes públicos, recorrendo a veículos amigos do ambiente, mas que não ligue apenas a Lisboa. É necessário uma circular ou continuação de uma circular rodoviária que permita uma comunicação rápida não só de pessoas mas também de mercadorias, para um desenvolvimento mais homogéneo da região. Por outro lado, a criação de uma Universidade do Mar, que irá atrair não só investigadores como desenvolver actividades económicas.

Universidade do Mar que apostaria em…

… Cursos relativos à exploração dos oceanos, biotecnologia marinha, actividades económicas de transformação dos recursos marítimos, entre outros.

Qual é a posição do partido em relação à terceira travessia sobre o Tejo para o Barreiro?

PERFIL

Economista defensor da natureza

Carlos Martins, 58 anos, é economista, reside em Setúbal, onde desempenha funções numa associação empresarial, e iniciou-se na política há quatro anos como filiado fundador (número 39) do partido Nós Cidadãos. Actualmente preside à distrital de Setúbal do partido. Gosta de “passear, andar a pé, junto ao rio, de praia ” e assume-se “defensor acérrimo da natureza”. Faz parte há mais de 25 anos do Coro de Santa Maria em Setúbal (Sé da Diocese de Setúbal).

Se alguém quer que 200 mil habitantes na Península de Setúbal se desloquem diariamente para Lisboa, tem de haver condições para as pessoas fazerem as travessias do Tejo. Sou a favor, mas não necessariamente no Barreiro. Poderá ser na Trafaria. As pessoas que se deslocam todos os dias para Lisboa estão sujeitas as perturbações constantes dos transportes. Os cidadãos da Península de Setúbal têm de suportar o ónus de todas as interrupções ou limitações no transporte fluvial ou ferroviário. É essencial melhorar a qualidade de vida das pessoas da Península de Setúbal, é fundamental haver investimentos e criação de postos de trabalho na região.

O terminal de contentores para o Barreiro pode ser um factor importante para esse efeito?

É sempre importante haver investimento para a Península de Setúbal. Mas, o Governo tem de fazer um esforço no sentido de, juntamente com as universidades e as empresas, procurar promover – antes de os investimentos serem feitos, através de planeamento correcto – o desenvolvimento de tecnologias para que a
oferta dos produtos, bens e serviços para essas infra-estruturas seja feita com incorporação nacional. Que opinião tem sobre as dragagens no Sado? Se não tratarmos da rede ferroviária para ligar ao Porto de Setúbal e inclusivamente a uma estrutura ferroviária que é necessária instalar, permitindo a circulação dos comboios e a inversão do seu sentido de marcha com ligação ao Porto de Sines, as dragagens no Porto de Setúbal acabam por ser um esforço que fica prejudicado. Admito a execução de dragagens mediante certas condicionantes. Exige-se que o Estado através da APL e da APSS providencie a construção de infra-estruturas como o desassoreamento da baía da Arrentela/Seixal e a construção do pontão/ paredão de apoio à nova marina de recreio de Setúbal. Estas obras irão potenciar a instalação da náutica de recreio na Península de Setúbal que será geradora de muitos milhares de postos de trabalho nas actividades náuticas e turísticas a montante e a jusante, desde a manutenção de barcos de recreio, à hotelaria e ao turismo, contribuindo para o PIB da região e do País. Impõe-se também a cedência no Porto de Setúbal de um cais da atracação (sem pagamento de taxas) para navios de cruzeiro junto a Setúbal, porque será um factor fundamental no desenvolvimento da região.

O Nós Cidadãos diz pretender fazer representar a sociedade civil na Assembleia da República, mas quem eventualmente venha a ser eleito pelo partido não se tornará num político profissional, naquilo a que se propõem ser alternativa? Que garantias pode dar ao eleitorado de que o(s) deputado(s) eleito(s) pelo Nós Cidadãos não venha(m) a ser absorvido® pelo sistema?

Só posso falar por mim. Nunca minto e raramente omito…

… Isso é um “poucochinho” próximo de Aníbal Cavaco Silva?

Não, não [risos]. Mas se quiser posso comentar Cavaco Silva.

Voltemos à questão…

Como é possível uma pessoa hoje dizer que não vai ser aquilo que os outros já são? Ao fim e ao cabo é essa a sua questão. Se o Nós Cidadãos eleger deputados à Assembleia da República, iremos manter uma actividade de auditoria cidadã permanente relativamente à acção da Assembleia da República. Estaremos presentes nas diferentes regiões, auscultando a opinião dos cidadãos sobre os seus problemas e ouvindo as suas queixas. Vamos propor medidas legislativas que impeçam um abuso por parte dos grandes interesses económicos. Nós, cidadãos, vamos mudar a sociedade para criar um Estado mais justo. Está na altura de serem as pessoas a decidir e não os políticos profissionais. É inacreditável como é que em Portugal, ao fim de 40 anos, se criou a ideia de “classe política”. Mas o que é isso da classe política? 0 parlamento para ser representativo dos cidadãos tem de ser constituído pelos cidadãos.

Novo aeroporto de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete é a solução

0 cabeça-de-lista do Nós Cidadãos defende a vinda do aeroporto para a região, mas considera a opção pela Base Aérea n.° 6 uma solução sem futuro e um erro. Critica o facto de António Costa ter anunciado a localização ainda antes de ser conhecido o Estudo de Impacte Ambiental, classificando o processo como “uma farsa“. “O País não tem condições para andar a gastar dinheiro num investimento no Montijo para passados poucos anos estar a construir um aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete“, afirma, acrescentando que o projecto deve ser mais ambicioso. “Defendemos a construção, até mesmo por fases, de um novo aeroporto de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete, que tem a vantagem de distribuir muito mais facilmente o tráfego de pessoas e de mercadorias de norte a sul do País, além de não ter os constrangimentos que o Montijo tem”, sublinha, a concluir.