A VOZ DA INDÚSTRIA NA PENÍNSULA DE SETÚBAL – À frente da Associação da Indústria da Península de Setúbal (AISET) desde 2018, Nuno Maia Silva, o seu diretor-geral, sublinha a importância de afirmar a indústria como motor de riqueza e coesão social na Península de Setúbal. Entre os desafios estão a descarbonização, transição digital, a captação de talento e a modernização do tecido empresarial, mas também a necessidade de políticas públicas consistentes e fundos europeus que impulsionem a competitividade.

Como surgiu o convite para liderar a AISET (Associação da Indústria da Península de Setúbal) e o que o motivou a aceitar este desafio?

A AISET foi fundada no final de 2014 por um conjunto de 14 grandes empresas industriais exportadoras da Península de Setúbal, que entenderam que precisavam reforçar os seus mecanismos de representação institucional e fazer ouvir a sua voz junto dos poderes públicos, porque tinham e têm interesses próprios e específicos, distintos das restantes indústrias. É simultaneamente uma associação empresarial regional e setorial.

A Secil é uma das empresas fundadoras da Associação, pelo que, sendo diretor de Comunicação Institucional da empresa, asseguro também algumas representações institucionais e pude assim acompanhar os trabalhos da Associação juntamente com um administrador. Quando foi necessário eleger novos órgãos sociais, após o mandato fundador, os associados consideraram que eu poderia dar um contributo positivo, sendo que o titular do cargo é a empresa Secil, cuja representação é assegurada por mim. Iniciei o primeiro mandato de três anos em março de 2018, e cumprirei o terceiro mandato até ao início de 2027.

Trata-se de um desafio profissional, mas também cívico, muito interessante, porque a indústria, por várias razões, é uma espécie de “patinho feio” da economia portuguesa, apesar do extraordinário papel que desempenha.

Portugal nunca foi, historicamente, uma economia industrializada. Tirando o caso particular da industrialização da refinação da cana-de-açúcar, sobretudo no Brasil colonial, perdemos a primeira Revolução Industrial, do vapor, no séc. XIX, chegámos tarde e mal à segunda, da eletricidade, nos alvores do séc. XX, e pouco fizemos na terceira, a eletrónica, já nos finais do séc. XX. Não temos recursos naturais relevantes, como minérios, petróleo ou gás, e por isso a atividade industrial foi relativamente incipiente, as políticas públicas industriais pouco efetivas, e instalou-se no país uma “mentalidade terciária”, segundo a qual teríamos prosperidade apenas através de serviços, como o Turismo, o que manifestamente é insuficiente pela falta de capital, conhecimento e recursos humanos.

É na Indústria que reside o principal instrumento de criação de riqueza do país, tal como sucede na larga maioria dos restantes países da OCDE. Felizmente, algumas das indústrias existentes em Portugal tiveram resiliência suficiente para passar momentos de crise, e hoje o país já tem uma base industrial que lhe permite exportar significativamente bens de algum valor acrescentado que criam riqueza para todos, sendo este o caminho que temos que prosseguir. Pessoalmente, motiva-me bastante representar e fazer crescer empresas industriais sérias, fortes, inovadoras e que criam riqueza e, logo, emprego e coesão social.

 

Quais são, na sua visão, as principais prioridades da Associação neste momento?

Os objetivos globais e permanentes, de ordem estatutária, da AISET são valorizar a atividade industrial sustentável na Península, promover fatores com impacto positivo na competitividade e eliminar obstáculos e dificuldades que limitem o bom desempenho das empresas, em articulação com poderes públicos e, designadamente, em estreita cooperação com instituições de ensino e formação. Queremos contribuir para o desenvolvimento da indústria na região, que é um dos pouco territórios do país com vocação e tradição industrial há longas décadas.

A AISET teve um papel determinante, entre 2017 e 2022, na reformulação do mapa de regiões NUTS II e III do país, processo em que foi possível desagregar a Península de Setúbal da margem Norte da Área Metropolitana de Lisboa (AML), que constituíam até então uma única NUTS II e III, o que penalizava severamente o cofinanciamento por fundos comunitários de projetos de investimento das indústrias da Península.

As NUTS (Nomenclatura de Unidades Territoriais Estatísticas) são o sistema através do qual a União Europeia recolhe informação estatística e organiza territorialmente os seus Programas de Intervenção no âmbito dos Quadros Comunitários de Apoio ao Desenvolvimento, através de uma hierarquia de NUTS I a IV. Aquelas que evidenciam um menor nível de desenvolvimento são prioritariamente financiadas na lógica de promover a coesão socioeconómica e territorial dentro da União Europeia. Existindo uma forte assimetria socioeconómica entre a margem Norte do Tejo e a margem Sul, o facto de a Península de Setúbal fazer parte da mesma NUTS II e III da Margem Norte era extraordinariamente penalizador para o desenvolvimento destes nove concelhos (Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela, Sesimbra, Setúbal e Seixal).

Em virtude desta alteração, está em curso a criação de uma nova CIM – Comunidade Intermunicipal da Península de Setúbal, composta pelos seus nove municípios, que será responsável pela gestão de programas europeus que vigorarão após 2027. Em função da recolha de dados estatísticos de 2023 no âmbito da NUTS III Península de Setúbal foi apurado que a região tem um rendimento muito baixo, de apenas 67,5% do rendimento médio da UE, pelo que constitui uma região de convergência, em que a alocação de fundos comunitários deve ser priorizada. Era esta criação de NUTS específicas que nós entendíamos que precisava ser realizada, porquanto, como parte integrante da AML, éramos considerados “ricos”, isto é, o rendimento global da NUTS II AML era superior à média europeia, pelo que tínhamos pouco, ou quase nulo, acesso a fundos comunitários.

Agora, estamos a definir um documento de estratégia industrial, com o apoio da Universidade Católica Portuguesa, para apresentar ao Governo e evidenciar as linhas de investimento que queremos ver cofinanciadas pelos fundos europeus para modernização e acréscimo de competitividade da indústria da Península.

Como caracteriza o atual tecido empresarial da Península de Setúbal?

A Península é essencialmente um território industrial e logístico, embora tenha uma importante zona vitivinícola e também áreas de parque natural como a serra da Arrábida e a Reserva Natural do Estuário do Sado, que, aliás, convivem equilibradamente com as atividades industriais e o turismo.

No que respeita especificamente ao perfil industrial, a região caracteriza-se pela existência de várias unidades industriais de grande dimensão, fortemente exportadoras, em múltiplos setores, mas que possuem cadeias integradas de fornecimento de outras empresas suas fornecedoras de bens e serviços, como manutenção industrial, logística, transporte ou análises laboratoriais que constituem um amplo universo de empresas competentes e competitivas. Com as instituições de ensino e outras entidades como o Porto de Setúbal e entidades gestoras de parques empresariais, como a AICEP Global Parques e a Arco Ribeirinho Sul, julgamos ter condições ímpares para que as nossas empresas cresçam, cada vez mais sólidas e eficientes.

Temos um grande conjunto de indústrias em plena atividade, tanto de produtos de base, como cimento, pasta e papel, adubos, químicos ou aço, como indústrias transformadoras, como a automóvel, reparação naval, aeronáutica, metalomecânica ou agroalimentar.

A maioria destas unidades industriais são exclusiva ou maioritariamente exportadoras, pelo que a existência de boas vias de comunicação rodoviárias e ferroviárias, e sobretudo a infraestrutura do Porto de Setúbal, são absolutamente diferenciadoras para fazer a nossa competitividade crescer, assim como a indispensável existência de recursos humanos qualificados. A Península de Setúbal tem mais de 800 mil habitantes, com uma população relativamente mais jovem e mais qualificada do que a média do país.

Quais são os setores com maior potencial de crescimento na região?

O setor automóvel é um ex-líbris da Península, com a Fábrica Autoeuropa da Volkswagen e o seu parque de empresas fornecedoras, mas há outras empresas do setor automóvel. Temos ainda a pasta e papel da Navigator, que tem a maior máquina de papel do mundo em funcionamento em Setúbal, a reparação naval da Lisnave, que tem reputação mundial pela excelência dos seus serviços e pela sua localização privilegiada, e temos em instalação um importante investimento da Hovione no Seixal, empresa portuguesa da área farmacêutica que tem grande potencial de crescimento, entre vários outros, designadamente tudo o que estiver relacionado com a indústria de defesa.

A região continua a sofrer com estigmas antigos. Que impacto tem isso no investimento e na criação de emprego?

Uma das nossas principais preocupações é precisamente dissipar essa imagem antiga, que pode ainda persistir em alguns meios, que resulta dos anos seguintes às nacionalizações e à entrada de Portugal na União Europeia. Na altura, havia muitas empresas públicas não competitivas e com conflitualidade social. Algumas empresas fecharam em simultâneo com a Renault, o que provocou essa crise social de que ainda perdura memória. Felizmente, os tempos agora são outros, acabaram os modelos de intervencionismo económico de exceção, há muito mais dinamismo, estabilidade política e institucional, tudo funciona como no resto do país, há 30 anos abriu-se um novo ciclo e o futuro é bastante promissor.

Que papel têm a inovação e a transição digital nas empresas da região?

Tratando-se de empresas que, na sua maioria, produzem bens de valor acrescentado e competem no mercado internacional, a inovação ocupa um lugar importante, para se manterem competitivas e ganharem a preferência dos clientes. As instituições de ensino superior e investigação ganham aqui um peso acrescido: tanto o instituto Politécnico de Setúbal, como a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, situada em Almada e que tem uma forte componente de Engenharias.

Quanto à transição digital, ela está já presente na grande maioria das empresas e o seu crescimento exponencial é uma inevitabilidade a curto prazo. O manancial de dados que pode ser gerido de formas diferentes, em velocidade e profundidade de análise, fará as empresas ganharem competitividade. Mas não é só do ponto de vista da implementação como utilizadores que esta dinâmica se regista na Península, pois temos também algumas empresas associadas que se dedicam à Automação e Digitalização de Processos, AI, Machine Learning, etc., que são benchmark a nível nacional.

E no que toca à sustentabilidade ambiental e energética, há sensibilidade e ação efetiva das empresas?

Muitas das nossas maiores empresas associadas são empresas de elevada intensidade energética, elétrica ou térmica, por isso o tema da descarbonização e sustentabilidade é-lhes absolutamente crítico. Não apenas por razões regulamentares, relacionadas com a complexa teia de legislação e marcos regulatórios europeus, mas também do ponto de vista económico através do Mecanismo Europeu de Licenças de Emissão de Carbono e do respetivo custo das licenças que será uma realidade muito acutilante dentro de poucos anos.

Indissociável deste esforço de descarbonização, sustentabilidade e eficiência energética é o incremento da circularidade dos processos industriais, muito apropriado em ecossistemas industriais como o nosso da Península de Setúbal, em que várias indústrias, de vários setores e processos, se situam próximas umas das outras, fomentando a possibilidade de simbiose industrial e circularidade endógena de recursos. Felizmente, temos várias empresas nossas associadas, especializadas neste setor, como a AVE, a Carmona, a SGR, a Ambicare, o Ambigroup ou o CRP, que prestam inestimáveis serviços às nossas empresas e, naturalmente, também ao ambiente. Dentro de alguns anos, o fornecimento de hidrogénio e a captura e uso ou sequestro do CO2 ainda emitido pelas nossas unidades fabris será um tema relevante em termos tecnológicos e de investimento.

Como tem sido o relacionamento da AISET com os municípios e com o Governo?

Temos tido um relacionamento institucional pragmático e muito orientado a temas concretos e resolução de problemas. As autarquias são diferentes entre si, algumas mais vocacionadas para o apoio às grandes empresas industriais do que outras, em função da atividade que têm no seu território. Alguns concelhos estão mais vocacionados para a atividade turística e funções residenciais, outros mais acolhedores de atividade industrial e logística, mas no geral temos um bom relacionamento, para fazer ouvir a nossa voz, dar sugestões e resolver assuntos concretos que afetam as empresas, por exemplo em termos de mobilidade e transportes.

Quanto aos governos, sobretudo durante o processo de alteração de NUTS, tivemos várias interações com diversos ministros, assim como com deputados de todos os partidos com assento na Assembleia da República, sempre numa perspetiva de diálogo institucional e respeito mútuo. Esta equidistância da AISET face a todos os atores políticos permitiu a criação do necessário e desejável consenso que viabilizou as alterações das NUTS.

Temos que compreender e interpretar as idiossincrasias dos processos políticos e compatibilizá-las com os interesses da AISET e da Indústria, num paciente exercício de diálogo interinstitucional. Até agora tem corrido bem, embora haja um especto que é comum a todos os agentes políticos, que é o foco nos ganhos de curto prazo, muitas vezes à custa do adiamento de decisões mais complexas, mas que teriam grandes resultados a longo prazo, com um custo político inicial mais elevado. E essa equação é mais difícil de resolver, precisamos de decisores políticos que olhem mais para o longo prazo e não hesitem decidir em função das vantagens para as gerações futuras, mesmo que isso os prejudique no imediato.

Há políticas públicas que têm beneficiado claramente a indústria local? E outras que têm sido obstáculos?

Há políticas públicas que podem ser muito nocivas, ou muito vantajosas, mas normalmente é a sua articulação, ou a falta desta, que causa as dificuldades mais complexas. Muita da nossa legislação resulta de legislação europeia, de decisões comunitárias que não devemos nem podemos contornar, uma vez que são aplicáveis genericamente no espaço europeu. Contudo, sucede muitas vezes haver atrasos nestas transposições ou uma ortodoxia legislativa que dificulta muito, e desnecessariamente, a vida às empresas. Depois há um conjunto de regras, regulamentos, normas e até hábitos da nossa Administração Pública central e local que prejudica imenso a nossa atividade. Os regimes de licenciamento são muito burocráticos, complexos e rígidos, o sistema fiscal, pesado, a legislação laboral, muito administrativista, além do drama judicial de tribunais que decidem pouco e tarde, um grande obstáculo à dinâmica empresarial.

No que respeita a políticas públicas orientadas para o investimento, a nossa Península tem sido, infelizmente, muito preterida nas duas últimas décadas. Não se realizam obras de carácter estrutural há muitos anos, com duas honrosas exceções – a autoestrada A33 e as dragagens portuárias no rio Sado. No parque habitacional, na rede pública de saúde, na rede escolar, por exemplo, há uma estagnação gritante dos investimentos públicos.

A região tem conseguido atrair investimento nacional e estrangeiro?

O investimento, nacional e estrangeiro, decaiu bastante entre 2010 e 2023, devido ao problema já referido da integração da Península de Setúbal na NUTS II e III AML, que dificultou a comparticipação de fundos comunitários. Os investidores naturalmente procuraram destinos mais atrativos para fazer os seus investimentos.

Ainda assim, as grandes empresas que beneficiam de instalações no território e aqui têm a sua força de trabalho e centros de competência têm continuado a investir centenas de milhões de euros em novos processos e produtos mais sustentáveis e de menor intensidade carbónica. Registamos com agrado a entrada da Hovione na região, com um avultado investimento no Seixal, a renovação do compromisso da VW Autoeuropa com a região através do anúncio do início de fabrico da nova viatura elétrica, a evolução registada na fábrica da Siemens em Corroios, o investimento da Secil na modernização da Fábrica do Outão, ou os elevados investimentos da Navigator para otimizar a sua eficiência energética a partir da sua biomassa florestal, entre dezenas de novos investimentos que sabemos que estão a ser ponderados em áreas como a eólica offshore, a reparação naval, baterias elétricas, etc.

Mas a Península é um território de excelência, muito bem infraestruturado, para receber novos investimentos estrangeiros, tanto de aumento de capacidade já instalada, como de novas instalações. Atendendo ao Plano Estratégico de Expansão do Porto de Setúbal e aos espaços e infraestruturas ainda disponíveis na região, estamos confiantes de que surgirão relevantes intenções de investimento, tal como sucedeu com o projeto da Aurora Lithium, que infelizmente, por razões totalmente exógenas, acabou por não singrar.

Quais são os maiores desafios no recrutamento e retenção de talento?

Este é talvez o problema mais sério de todo o país. Setúbal acaba por se comparar favoravelmente, pois tem uma população de mais de 800 mil habitantes, em meio urbano, com transportes, relativamente jovens e qualificados. Mas o inverno demográfico também se faz sentir e a já mencionada falta de valorização da indústria afasta os jovens e outros profissionais das profissões industriais.

A indústria remunera melhor que outros setores, como o Comércio ou o Turismo, proporciona mais oportunidades de aprendizagem ao longo da vida e é um ambiente de estímulo intelectual e funcional. Por outro lado, as profissões industriais estão a ter uma mutação profunda, com substituição do trabalho físico ainda existente por robots e a complexificação de funções como operador de máquinas, programador, monitor de processos, técnico de laboratório, e muitas outras profissões que ainda nem estão definidas e codificadas no âmbito da transição digital a que assistimos. O ambiente de trabalho industrial atual já nada tem da velha imagem da indústria suja de óleo, ferrugenta e poluente.

As empresas industriais são organizações sofisticadas, frequentemente internacionais, com bastante diversidade de pessoas e desafios que podem ser muito estimulantes para os nossos melhores quadros que podem exercer funções mais gratificantes e com possibilidades mais alargadas de aceder a lugares de gestão de topo.

As escolas e instituições de ensino estão alinhadas com as necessidades do tecido industrial?

Há um problema de quantidade de jovens para ingressar no mundo laboral, mas há também alguma renitência em seguirem uma via de estudos mais técnica, quer profissional, quer politécnica ou universitária É na indústria que os jovens, bem como os outros profissionais, melhor se podem realizar profissionalmente, mas é preciso operar uma profunda reforma no ensino, para melhorar muito a aprendizagem de matemática logo no ensino básico, para que os estudantes estejam confortáveis em escolher áreas de ciências exatas no ensino secundário e a partir daí acederem a cursos superiores de ciências, tecnologias, engenharias e matemáticas e poderem dar o seu contributo à indústria, em profissões melhor remuneradas.

O ensino profissional é uma área que carece de profunda revitalização, pois há uma enorme procura de profissionais qualificados, em várias áreas, sem que haja oferta disponível. Há escolas profissionais na Moita, Montijo e Setúbal, mas têm pouca expressão, enquanto instituições de formação profissional, como a ATEC, conseguem colocar integralmente todos os seus alunos. Há algo muito profundo a mudar. As instituições de ensino superior da Península – o IPS e a FCT – possuem cursos adequados às necessidades das empresas, mas a procura desses cursos não é muito elevada por parte dos alunos, há muito trabalho de marketing de oferta formativa a fazer, em conjunto com as empresas.

Qual tem sido o papel concreto da AISET no desenvolvimento económico e social da Península?

A AISET atua como representante da indústria na promoção do seu papel e na valorização da sua atividade junto de decisores públicos, jornalistas e outros stakeholders, como estudantes e professores, sindicalistas ou ambientalistas. Organizamos eventos de networking empresarial, seminários e workshops técnicos e procuramos intervir no espaço público sempre que há ocorrências políticas, económicas ou sociais que podem prejudicar a atividade industrial.

Até agora, o principal resultado da nossa atuação, juntamente com todos os restantes atores políticos e institucionais da Península foi o moroso e complexo processo de alteração da NUTS. De agora em diante, tudo faremos para que a atividade industrial seja reconhecida como prioritária neste território e obtenha os fundos necessários ao financiamento europeu dos investimentos industriais que se anteveem.

Ao longo dos últimos anos a AISET tem conseguido afirmar-se como um parceiro institucional relevante na região, partilhando conhecimentos, boas práticas e articulando ações com as instituições de ensino, autarquias e entidades do terceiro setor.

Há alguma medida ou projeto da AISET de que se orgulhe particularmente?

A alteração do mapa de NUTS apresentado por Portugal ao Eurostat foi um momento muito marcante, porque parecia, à partida, uma decisão impossível de alcançar, pois obrigaria o Governo a alterar uma decisão anterior, envolver vários ministérios e departamentos públicos, e comunicar com Bruxelas. Ao longo de vários anos, conjuntamente com o IPS, a FCT, a Caritas, a AMRS – Associação de Municípios da Região de Setúbal e um movimento cívico existente na altura designado Movimento Pensar Setúbal, conseguimos mobilizar autarcas, deputados, eurodeputados, altos dirigentes da Administração Pública e ministros, até que o então primeiro-ministro António Costa anunciou a decisão, que foi concretizada em 1 de fevereiro de 2022. Foi um raro momento de convergência institucional de várias entidades em prol de um bem comum, a longo prazo. Foi algo que marcou, sobretudo pelos resultados esperados nos próximos anos.

De que forma os fundos europeus e o PRR estão a chegar (ou não) às empresas da região?

Desde 2013 que a Península está praticamente afastada dos fundos europeus significativos, pelo facto de estar integrada na AML, uma região considerada rica e por isso com pouco financiamento. Entre 2013 e 2027, ou seja, 15 anos, a região receberá algo como 1200 milhões de euros, menos de 100 milhões de euros por ano, para 18 concelhos. Sabendo que, normalmente, a Administração Pública central e local fica com a maior parte do financiamento e existem constrangimentos a candidaturas de grandes empresas, podemos dizer que a Indústria beneficiou apenas de algumas dezenas de milhões de euros para se modernizar e competir melhor, o que é muito pouco para os desafios que enfrentamos. Quanto ao PRR, pelo que sabemos, Setúbal é uma das regiões com mais projetos candidatos e melhor execução, o que evidencia a carência de investimento de que temos padecido nas últimas décadas.

Como está a indústria local a posicionar-se perante os desafios da competitividade internacional?

A descarbonização da economia e a neoindustrialização da Europa, que se comprova ser necessária como resulta da crise pandémica e da dependência energética da economia europeia, suscitam desafios profundos e irão provocar uma profunda transformação das economias europeias e, logo, da sua indústria.

A AISET fez um exercício de reflexão com as empresas suas associadas, do qual resultou uma matriz com quatro áreas prioritárias de investimento e transformação: transição carbónica e energética, transição digital, economia circular e capacitação do capital humano.

Teremos que investir fortemente nestes quatro eixos, sendo que o do capital humano é fulcralmente instrumental para que os restantes três possam ter sucesso nesta próxima década. Contamos com os fundos europeus do período pós-2027 para alavancar esta mudança e permitir que a Península de Setúbal seja o território industrial português de excelência, em articulação com os significativos investimentos infraestruturais públicos previstos para a Península, como seja o caso do novo aeroporto de Lisboa, a 3ª Travessia do Tejo, as linhas de alta velocidade Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto e a vasta regeneração urbana que resultará da atividade da empresa Parques do Tejo.

O Planeamento e Ordenamento territoriais e a coordenação no espaço e no tempo destes investimentos públicos com os investimentos industriais privados irá, por um lado, ser desafiante em termos de mão de obra e capacidade instalada de produção, ao nível do projeto, engenharia e construção, mas por outro lado atrairá quadros e técnicos qualificados e aumentará os níveis de rendimento regional.

Estou também convicto de que, perante o potencial industrial instalado, teremos uma palavra a dizer na indispensável indústria de Defesa que Portugal precisa robustecer.

A cooperação entre empresas da região é uma realidade ou ainda há um caminho a fazer?

As empresas relacionam-se entre si em função das suas necessidades e de objetivos comuns. Num território industrial relativamente pequeno e conectado, é normal as empresas contactarem-se, colaborarem, fazerem negócios conjuntos. O melhor exemplo de cooperação interindustrial é a criação e consolidação da AISET, que hoje congrega praticamente todas as grandes empresas industriais da Península, de vários setores. Claro que esta é uma dinâmica que nunca está finalizada, existem sempre novas oportunidades e novos agentes a integrar, mas esse é o trabalho da AISET.

A AISET tem relações com outras associações empresariais ou industriais em Portugal e no estrangeiro?

Somos, naturalmente, uma associação afiliada da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, cujo Conselho Geral integramos, e temos tido contactos pontuais com outras organizações congéneres em Portugal, Espanha e Brasil, mas é algo ainda incipiente e que precisa ser aprofundado, sobretudo pelo impacto que pode ter na captação de investimento. 

Que marca gostaria de deixar na AISET no final do seu mandato?

Gostaria de deixar uma comunidade mais próspera, coesa, organizada e orgulhosa de si. Temos condições para ser uma zona industrial de referência, com um ecossistema industrial de excelência, sustentável, inovador e gerador de emprego de qualidade. A indústria tem longa tradição, desde os primórdios da CUF, no Barreiro (se não quisermos recuar à Fábrica do Biscoito quinhentista ou às salgas romanas), convivendo harmoniosamente com a atividade agrícola e o turismo e com as tradições locais, como a pesca artesanal ou a criação de toiros bravos.

Hoje, infelizmente, vemos cerca de 200 mil pessoas atravessar o Tejo diariamente para irem trabalhar para Lisboa, com elevados custos ambientais e da sua qualidade de vida. Gostava que, daqui a 10 ou 15 anos, houvesse milhares de pessoas no sentido inverso, a sair de Lisboa de manhã para trabalharem no nosso território.

Por fim, gostaria de ser recordado como um profissional diligente e humilde que deu o seu melhor por esta comunidade.

Veja a entrevista na revista Frontline aqui