Em vésperas da próxima reunião descentralizada do Conselho de Ministros, a ter lugar no Forte de Albarquel, o presidente da Associação de Municípios da Região de Setúbal lança o repto ao executivo de Costa. E lembra também a importância de se decidir a instalação do aeroporto na península
Da Saúde, à Educação, passando pela mobilidade, o presidente da Associação de Municípios da Região de Setúbal (AMRS) aponta algumas das questões mais prementes para o futuro do distrito, e até mesmo do País. André Martins deixa vários recados ao executivo de António Costa, que na quarta e na quinta- -feira vai estar em périplo pelos concelhos da região. Além do flagelo da falta de profissionais de saúde e da necessidade de verbas que permitam aos municípios assumirem intervenções nas escolas, o autarca sinaliza a importância de investimentos estruturantes que continuam adiados: a terceira travessia sobre o Tejo; o novo aeroporto; e o prolongamento do Metro Sul do Tejo.
A próxima reunião descentralizada do Conselho de Ministros realiza-se esta semana em Setúbal. Que importância tem para a região esta vinda do Governo, com visitas aos concelhos, auscultações de autarcas, ao longo desta quarta e quinta-feira?
Qualquer autarca fica sempre satisfeito por o Governo estar presente no território que tem a responsabilidade de administrar, independentemente de haver problemas. E esta até poderia ser uma oportunidade para resolver alguns dos tantos problemas que nós temos na nossa região. É isso que nós esperamos. Que, na proximidade do Governo, alguns desses problemas possam ser resolvidos.
A AMRS pretende actualizar ou renovar o PEDEPES. O que é necessário alterar e porquê?
O PEDEPES é um plano que teve início em 2004, com uma grande participação e envolvimento dos municípios, das organizações, das entidades desta região, e portanto teve o seu desenvolvimento numa perspectiva para o futuro. Entretanto passámos por fases algo complicadas, como a pandemia, e há que olhar para o território novamente, fazer as actualizações que as equipas técnicas e também os agentes do território possam considerar melhor e aprofundar ou orientar as perspectivas para o futuro, sempre em tempo de mudança. A pandemia não foi qualquer coisa que passou e não deixou marcas. Deixou. Entretanto, há problemas que se agravam. É preciso olharmos para eles, como o caso da Saúde, no distrito em geral.
Quais os problemas que considera mais graves na região? A começar pela Saúde e pelo Centro Hospitalar de Setúbal que, esta sexta-feira, entrou em obras de ampliação.
O que se verifica é que houve ao longo de anos uma falta de investimento, tanto na qualificação das instalações como também no caso da contratação de profissionais de saúde. Tanto em Setúbal, como em Almada ou Barreiro. O exemplo do Centro Hospitalar de Setúbal é significativo. Todos os anos entram no Hospital de São Bernardo cerca de 50 jovens [médicos] que vão ali fazer formação. Desses 50 jovens não fica ninguém. No ano passado ficou uma jovem. Todos os outros saem e uma grande parte deles sai para fora do Serviço Nacional de Saúde [SNS]. Há aqui uma questão que é central e que nós temos insistido junto do ministro: é necessário tomar decisões para criar incentivos para que os profissionais de saúde fiquem no SNS. O que temos verificado é que o senhor ministro toma medidas de gestão para resolver problemas imediatos, mas não toma medidas de fundo. Não são equacionadas e tomadas as decisões para resolver pelo menos o futuro e estamos aqui numa encruzilhada complicada.
Como viu o anúncio do fecho aos fins-de-semana das urgências pediátricas em Setúbal. Tem a ver exactamente com falta de recursos humanos?
É fundamentalmente falta de recursos humanos. Os profissionais vão atingindo limite de idade, alguns ainda estão lá mas já ultrapassaram a idade para fazer urgências, por isso esta medida de gestão de fazer alternância entre cada um dos hospitais. Não podemos continuar a tomar medidas de gestão. Esta decisão agora é por mais seis meses, vamos arrastando o problema. Estamos sempre disponíveis para o diálogo, para encontrar as melhores soluções, mas é preciso denunciar esta situação com a qual nós não podemos pactuar. Mas a situação é mais complicada ainda. Por exemplo, ainda ontem [quinta-feira passada] tivemos um fórum intermunicipal da saúde com os presidentes de câmara, os representantes das organizações dos trabalhadores e várias comissões de utentes. E foram dados vários exemplos… no caso de Setúbal, aceitámos fazer uma parceria com o Governo para se construir um centro de saúde em Azeitão. O que fez Governo? Disse à Câmara Municipal de Setúbal: está aqui o dinheiro, agora façam a obra. A Câmara ou as autarquias não têm nenhuma responsabilidade neste tipo de intervenções. A Câmara Municipal aceitou o desafio, lançou o concurso, deu o terreno e agora vamos assumir também a responsabilidade de fazer os arranjos exteriores. Mas a grande questão – uma das que coloquei ao senhor ministro – é esta: o Centro de Saúde de Azeitão está em fase final de obra, quais são os recursos humanos que vai ter quando quando abrir?
E qual foi a resposta?
Não tem resposta. Essa é a demonstração de que, de facto, não estão a ser equacionados todos os problemas e necessidades.
Em toda a região são muitos os milhares de utentes sem médico de família. E nessa contabilidade não estão reflectidos muitos milhares de migrantes que vão chegando e que não estão registados, mas que na prática afectam muito mais essa contabilidade.
Os dados que nós temos, já deste ano, de utentes registados sem médico de família são de 210 mil pessoas na Península de Setúbal. É uma situação de facto gritante a da Saúde, mas não só. O caso da Educação é outro exemplo. Os municípios foram obrigados a assumir a transferência de competências nesta área e são a favor disso. Mas a transferência de competências implica que a uma responsabilidade que é transferida haja um equivalente de capacidade financeira para que seja assumida com dignidade, com capacidade. Fomos obrigados a assumir essa responsabilidade sem saber qual é o envelope financeiro que vai ser transferido para as autarquias locais. E até hoje a Associação Nacional de Municípios tem estado em negociações com o Governo para alterar o quadro financeiro. No caso de Setúbal, recebemos sete escolas do Ministério da Educação, quatro consideradas pela tutela em situação de urgência na necessidade de intervenção e uma de muito urgente. Neste momento estamos à espera de saber como é que vamos fazer as intervenções nas escolas, quando já algumas salas de aula, algumas zonas da escola já não são utilizadas por risco de derrocada. Isto é uma situação inaceitável. Já agora, dizer que há no entanto algumas coisas que vão num sentido positivo.
Por exemplo…
O caso da mobilidade. Faltam ainda tomar muitas decisões e muitas medidas no sentido de haver uma articulação entre os vários meios de transporte, é preciso que se faça, por exemplo, um projecto que está para ser executado há muito tempo: a ponte rodoferroviária entre Lisboa e Barreiro, que está prometida há tantos anos. É um desafio que lanço daqui ao Governo: quando vier a Setúbal que esta seja uma das decisões a tomar, avançar com a construção da terceira travessia sobre o Tejo. É necessário que os comboios que fazem a ligação entre Lisboa e Setúbal tenham uma capacidade de resposta diferente. Não se pode ter um comboio que leve uma hora de Setúbal a Lisboa. E o caso do Metro Sul do Tejo, por exemplo. É necessário que se avance para a segunda e para a terceira fases. Chega até ao Seixal e é necessário que passe ao Barreiro e depois chegue a Alcochete, porque foi isso que foi prometido há muitos anos, foi estudado e continua a ser adiado. Mas queria dar o sentido positivo também neste domínio da mobilidade, com a decisão que os municípios na Área Metropolitana de Lisboa [AML] tomaram de criação do Passe Navegante. É uma medida revolucionária, provavelmente uma das a que se deve muito àquele que foi o espírito do 25 de Abril. Conseguida com o apoio do Governo, que financia também uma parte deste investimento.
Assumiu a presidência da AMRS com um número de municípios que já diminuiu. Almada e Barreiro formalizaram a saída, a Moita também já assim decidiu. Confirma? E a intenção de Alcochete é seguir esse caminho, sendo a única dúvida o Montijo. Que dimensão pensa que poderá ter isto para a prossecução dos objetivos da AMRS?
A Associação de Municípios é aquilo que os municípios seus associados quiserem que seja. Almada e Barreiro entenderam sair da associação, a Moita também tomou essa decisão mas até hoje não tomou formalmente nenhuma posição junto da associação e nós consideramos que a Moita continua a fazer parte. Anteriormente já houve municípios que saíram, como Grândola. Agora fizemos contactos com Grândola e com Sines. Grândola manifestou disponibilidade para levar aos órgãos essa posição de voltar a integrar a associação; para Sines, de momento, não é uma prioridade. A importância da ligação da Península de Setúbal ao Litoral Alentejano é uma visão que só existe na Associação de Municípios. A associação estará sempre aberta… E é por isso que vamos realizar no dia 30 de Junho próximo o congresso da região, promovido pela AMRS, onde vamos ter os municípios e outros intervenientes que serão convidados para se falar do desenvolvimento regional, dos projectos, dos desafios que temos pela frente. Estou convencido de que a partir dessa data a associação ficará melhor apetrechada.
“É fundamental um aeroporto com uma plataforma logística associada”
André Martins lembra a consensualidade que existiu entre todos os municípios para a instalação da nova infra-estrutura aeroportuária no Campo de Tiro de Alcochete, antes de ser avançada a solução “Portela + 1”. E defende que o futuro equipamento não deve fugir “às características e dimensão” daquilo que estava previsto construir em Alcochete, apostando-se numa “articulação com os portos de Lisboa, Setúbal e Sines”.
Houve uma medida que pode marcar o desenvolvimento de toda a região, a criação das NUTS II e III para a Península de Setúbal que permitirá um maior acesso a fundos comunitários. Que leitura faz a este processo?
É positivo, mas é preciso termos em atenção que a região só poderá ter acesso a esses fundos comunitários a partir do novo Quadro Comunitário que se inicia em 2027. O problema que se coloca é este: desde 2013 que consideramos que o investimento público não tem acontecido neste território e se agora não houver medidas, alterações por parte do Governo, vamos ficar até 2027 à espera que esta situação se mantenha ou degrade. Continua a haver investimentos na Península de Setúbal, mas que consideramos avulsos. É necessário olharmos para este território e para estes indicadores de desenvolvimento e vê-los na sua articulação.
Isso tem a ver com uma lógica de investimento integrada a que se tem referido algumas vezes?
É isso. O PEDEPES. Por isso é que a Associação de Municípios vai avançar com a revisão desse plano, contratando uma empresa da especialidade. E com a comissão executiva e o conselho consultivo do PEDEPES – essas entidades todas que têm actividade e dinâmica na Península de Setúbal nas áreas social, empresarial, cultural… – identificarmos, numa visão integrada, articulada, que investimentos são prioritários fazer aqui para que esse desenvolvimento seja harmonioso. É esse o grande desafio. Já escrevemos ao senhor primeiro-ministro a pedir uma reunião no sentido de apresentarmos esta nossa preocupação e este nosso objectivo, para que o Governo possa apoiar este plano de desenvolvimento da Península de Setúbal. A este propósito é muito importante para a AML, para o País e em particular para a Península de Setúbal o [novo] aeroporto.
Para o Montijo ou para Alcochete?
Importante é o aeroporto para a região. A questão para nós é da instalação do aeroporto aqui na margem sul, na Península de Setúbal. Mas não é só isso. Nós temos sempre uma visão integrada, articulada, destes projectos. Porque é necessário, e foi anunciado isso na altura, que associado ao aeroporto esteja uma plataforma logística, que faça a ligação entre a actividade do aeroporto e os portos de Sines, Setúbal e Lisboa. Daqui estamos a trabalhar, a pensar, numa articulação de investimentos de actividade económica e de emprego, mas com uma visão integrada e articulada das várias possibilidades e do potencial que esta região tem. Por isso, o que era importante é que houvesse essa decisão de instalar o aeroporto na margem sul. Essa decisão só não foi tomada, não depende dos municípios…
Municípios que têm, quanto à localização, posição dividida…
Todos nós estivemos de acordo com o aeroporto em Alcochede. O Governo depois tomou uma decisão de propor a construção no Montijo. Aí os municípios, por razões eventualmente políticas e outras, tiveram entendimentos diferentes. Mas acho que todos têm a ideia de que é importante construir um aeroporto. Já agora, era importante que nós todos mantivéssemos essa posição que foi consensual, de um aeroporto com as características e a dimensão do que estava previsto construir em Alcochete. Essa é a questão que, do nosso ponto de vista, serve toda esta região e o País. A plataforma logística é fundamental e a sua articulação com os portos.
Está mais confortável, enquanto presidente da Associação de Municípios, com a construção faseada no Campo de Tiro de Alcochete?
É claro. Porque, ao longo dos anos, todos os municípios da AMRS tinham uma posição consensual sobre essa localização. E nós pensamos que é a que serve melhor a região, a área metropolitana e o País.
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